Thursday, February 16, 2006

Imprensa que dá samba

Incumbido pelo contexto das circunstâncias a cobrir o carnaval jornalístico do bloco “Imprensa que eu gamo”, dos jornalistas do Rio, cheguei na rua Gago Coutinho no momento em que Nelson Rodrigues, o filho do homem, disposto a mostrar o carnaval como ele é, agarrou o microfone, discursou preliminares e começou o movimento com uma versão carnavalesca do hit “Bom Xi-Bom Xi Bom-Bom-Bom”, do grupo As Meninas, sucesso no carnaval de seis anos atrás. Era só o começo.

Em seguida, dois pequenos Trios Elétricos começaram a divulgação do samba enredo do bloco, cujo tema era a corrupção do governo federal sob o ponto de vista do Mercosul. Quer dizer: tinha gringo no samba, no caso, um folião argentino como um dos compositores de um refrão que dizia assim: “Imprensa que eu gamo/ me tira do sério/ no Mercadinho/ eu revelo esse mistério”. Mas, persuadido pelas cervejas e quase cacofonia do último verso, meninos, eu ouvi; e cantei, no trocadilho, “eu vou tocar no cemitério” durante todo o percurso, o que significa todo o quarteirão da rua Gago Coutinho até o Largo do Machado. Umas quatro horas. Os puxadores bravamente fizeram das marchinhas um samba enredo e do carnaval de rua uma escola de samba. Sem diploma.

Não que a festa tenha sido ruim, afinal, Imprensa tem bons contatos. Enquanto a maioria dos blocos rebolou em busca de dinheiro e ameaçou não desfilar este ano, o bloco dos jornalistas do Rio conta com o patrocínio das multinacionais Fiat e Coca-cola, além da Vale do Rio Doce e cervejaria Cintra, que, por sua vez, pôs na avenida um abre-alas em forma de botequim e contratou freelancers para vender seu produto. Especula-se que cada apoio rendeu, no mínimo, R$ 15 mil. Rita Fernandes, presidente do Imprensa e da associação dos blocos (Sebastiana), disse para a mídia inteira ouvir que o mínimo para um bloco desfilar é R$ 20 mil. Segundo o Globo OnLine, o dinheiro extra do Imprensa será redirecionado para o Carnaval do próximo ano. Então tá.

No fim das contas, a única coisa que importava era se a Cintra teria o monopólio na avenida, o que, neste carnaval, não aconteceu. E, entre enredos de corrupção, ficaram os protestos: cartazes contra os governadores do Estado continham dizeres impublicáveis, mas que no carnaval ficaram até de bom tom. Arthur Xexéo seguiu a onda num modelito Rosinha fazendo vodu num boneco de brinquedo. Mais à frente, Jamari França se esbaldava, como bom folião, furando o ar com os dedinhos apontados para o céu. Joaquim Ferreira dos Santos também estava lá, tomando Nescau ao lado de Luma de Oliveira. Era a festa do jornalismo tupiniquim. O tempo só ameaçou fechar quando Chico Caruso, num arroubo de teor egoólico, ameaçou o mundo com charges fundamentalistas. Alfredo Ribeiro olhou de lado e disse: “ô, raça!”, enquanto saía e não via Alberto Dines e a turma do Centro de Mídia Independente, em protesto, urinando nas frestas de uma banca de jornal. E assim Diogo Mainardi, vendo tudo parcialmente do alto de um edifício, perdeu a maior chance de sua carreira.

Não, nada disso aconteceu. Ou quase. É verdade, por exemplo, que o Imprensa passou em frente à Igreja Matriz Nossa Senhora da Glória, no Largo do Machado, na mesma hora em que acontecia um casamento, obrigando o padre a fechar as portas da casa do Senhor para os pecadores que, coitados, só queriam levar o samba pra mãe-de-santo rezar. Assessores de imprensa mais radicais ameaçaram defender Cristo, mas sem ibope acabaram desistindo. O plantão ia chegando ao fim, e o público se comportou de acordo com as recomendações: limpou as latinhas antes de beber, vestiu as cores da moda e os mais informados até rejeitaram copos plásticos com medo de câncer de estômago, conforme leram na última edição de uma dessas revistas de domingo pautadas em ciência espontânea. No fim, ainda teve gente reclamando do tumulto e defendo que o Imprensa censurasse as datas dos desfiles. Pode ser. É só uma questão de combinar o espaço com os patrocinadores.

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