Tuesday, April 19, 2005

Um Maracanã de dúvidas

Estádio da Portuguesa, onde Flamengo deveria estrear no Brasileiro, preocupa moradores e instiga comerciantes


Enquanto o Campeonato Brasileiro começa no próximo final de semana, o implante que Botafogo e Flamengo fazem no estádio da Portuguesa, na Ilha do Governador – onde o rubro-negro deveria estrear –, continua preocupando torcedores e moradores da região. Em obras desde o dia 23 de março e com previsão de encerramento para a próxima sexta-feira, véspera do campeonato, a Arena Petrobras, como será chamada, é cercada por uma escola de ensino fundamental, condomínios residenciais e bares de limitada infra-estrutura, tudo isso para atender às expectativas de até 30 mil torcedores, um público seis vezes maior do que aquele antes acolhido no bairro.

O que poderá se tornar a maior preocupação das autoridades é a presença da Escola Estadual Matildes de Jesus Quadrado, que funciona de segunda a sexta, das 18h às 22h –horário de alguns jogos do campeonato e localizada na rua do estádio, coagida entre quiosques. “À tarde funciona nesse espaço a Escola Municipal Gurgel de Amaral, com crianças de 10, 15 anos. À noite é que vira escola de ensino fundamental, e aí tem pessoas adultas já, mas também muitos jovens de 17, 18 anos que trabalham durante o dia e vêm estudar no período noturno”, explicou a servente Norman Lara, de 45 anos. Perguntada se o estádio poderá comprometer a segurança dos alunos, ela relutou. “Não posso dizer... trabalho aqui só durante a tarde. De repente não vai haver aula durante os jogos, não sei”, disse.

Impossível prever se o som das sirenes dos automóveis que correm pela Linha Vermelha será abafado pelos gritos da torcida do Flamengo e Botafogo rumo à Arena Petrobras. Se qualquer acidente acontecer, o hospital mais próximo, Paulino Werneck, fica a cerca de 15 minutos de carro, no bairro da Cacuia. Já na ocasião do lançamento oficial da parceria entre os dois clubes e a Portuguesa da Ilha, o ex-governador Anthony Garotinho teria admitido adiar em 15 dias o início da reforma no Maracanã. Se os adiamentos prosseguirem, Flamengo e Corinthians, as duas maiores torcidas do Brasil, poderão desembarcar na Ilha dia 25 de novembro. E, se tudo correr perfeitamente, clássicos como Fla-Flu deverão acontecer no estádio recém-construído, no caso, dia 29 de maio, uma quarta-feira, dia letivo.

E ainda que as obras terminem no tempo previsto, até o final desta semana, o Flamengo não poderia estrear no próximo sábado (dia 23) já que o Estatuto do Torcedor determina uma semana de antecedência após o término das obras para que o estádio seja liberado pela Polícia Militar, Defesa Civil e Corpo de Bombeiros. Mas muito pouco poderá fazer a aprovação do poder público pela descrença de quem já convivia com problemas no local. O aeroviário aposentado, Roberto Esteves, de 52 anos, afirma temer pelo futuro de seu bairro. “Meu filho veio a um show que aconteceu no estádio (no dia quatro de março, um festival com várias bandas de pagode), e disse que nunca mais voltaria, teve muita confusão, até tiro. Aqui do lado tem o Parque Royal que é bastante perigoso. Tem que haver policiamento, mas vamos ver. Se os problemas já aconteciam antes, agora que tudo vai se ampliar imagina-se que a violência também, né. Mesmo nessa obra não dá pra levar fé. Olhe as arquibancadas, montadas sobre campos de barro, não parecem agüentar. Não sei se sustentarão 30 mil pessoas pulando e gritando”, comentou.


Comerciantes em expectativa e obras incertas

A meta era que Flamengo e Botafogo jogassem, cada um, 18 partidas no estádio – agora 17, no caso. A nova entrada da Arena Petrobras, que terá 36 guichês de bilheteria, fica numa rua em frente a um grande muro de condomínio, tendo nas ruas adjacentes cerca de cinco quiosques e dois trailers para aliviar fomes repentinas. Os comerciantes, claro, têm grande expectativa com a possibilidade de atenderem seis vezes mais clientes – tendo por base a proporção da atual capacidade do estádio e a antiga, que era de cinco mil.

Cléber Vaz, de 55 anos, dono do quiosque que fica entre a antiga bilheteria – hoje, a entrada social do novo campo – e a capela (!) mantida anexada ao estádio, está animado com o possível aumento de negócio em seu quiosque, o mais estruturado das redondezas tendo até mesa de sinuca. “Eu sinceramente não vejo problema algum. Estou aqui há 20 anos, acho que vai ser bom pra região, vai ajudar a desenvolver. E é óbvio que o esquema de segurança que havia no Maracanã será passado para cá. Só não sei se as obras vão terminar a tempo”, disse, sem saber do prazo de uma semana do Estatuto do Torcedor.

Enquanto Flamengo e Cruzeiro já têm campo para estrear, no primeiro mando de campo do Botafogo, dia 1º de maio contra o Corinthians, o local ainda está indefinido. A Suderj confirmou o Maracanã como palco da primeira rodada do fim de semana. “Depois? Ninguém sabe...”, informou Márcia Cristina, atendente de telemarketing da Suderj. “Nessa semana tem o feriado né, tudo só deve ser decidido no decorrer da semana que vem”, completou. Com a interdição do Maracanã e da Arena Petrobras, a principal possibilidade é de que os jogos dos dois clubes sejam realizados no Estádio da Cidadania, em Volta Redonda.

O investimento de R$ 5 milhões prevê reforma do gramado, dos vestiários, criação da área de aquecimento para os atletas, camarotes, alambrados, cobertura para roletas, instalação de câmeras, sistema de som e iluminação, novas cabines e salas de imprensa, posto médico e acessos exclusivos para deficientes físicos, além de novos bares e lanchonetes dentro do estádio. Até o inicio da semana, contudo, as arquibancadas ainda estavam sendo construídas, assim como o muro das bilheterias, o acabamento dos vestiários, e os refletores da área social ainda eram três lâmpadas penduradas por fios.

Os trabalhadores da obra explicaram os motivos da demora na construção. “Acho que não vai dar tempo... mas vamos ver, estamos fazendo muitas horas extras. Aqui são várias firmas trabalhando ao mesmo tempo, então às vezes uma atrasa e tem que esperar pela outra, ou o que atrasa é o material de construção... é complicado”, disse um dos funcionários, pedindo para não se identificar e em seguida pergunta: “O campeonato já começa neste sábado com o Flamengo, né?”. Ao lado, ouvindo a conversa, o colega de trabalho indaga, assustado: “O Flamengo vai jogar aqui, é?”. “Você tá por fora, cara. Vai jogar só profissional mesmo, da Seleção. Aqui vai ser o novo Maracanã”, respondeu, enquanto o colega, espantado, fazia uma visão panorâmica daquele que será “o novo Maracanã” de Flamengo e Botafogo neste Campeonato Brasileiro.